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Tratamento para Resíduos Sólidos e Líquidos

Última modificação em: 08/08/2025 14:24

 

Panorama e Tecnologias de Tratamento para Resíduos Sólidos e Líquidos no Brasil

 

 

Resumo Executivo

 

A gestão de resíduos no Brasil é um tema de crescente complexidade e importância estratégica, regulamentado por um arcabouço legal robusto, mas com desafios significativos na sua implementação. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/10, serve como a espinha dorsal desse sistema, estabelecendo a hierarquia de tratamento e o princípio da responsabilidade compartilhada.1 A classificação normativa, orientada pela ABNT NBR 10004, é o passo inicial e crucial, diferenciando resíduos perigosos (Classe I) e não perigosos (Classe II) com base em suas características físico-químicas e infectocontagiosas.2

Este relatório técnico detalha os tratamentos e destinações atualmente disponíveis para resíduos sólidos, semi-sólidos e líquidos, abrangendo tanto os gerados por indústrias quanto por serviços de saúde e estética. Para resíduos perigosos industriais, as principais tecnologias incluem o tratamento térmico avançado, como a incineração controlada e o co-processamento em fornos de cimento, que oferecem soluções de destruição completa e recuperação energética.4 A disposição em aterros industriais Classe I representa a destinação final segura para materiais que não podem ser tratados de outra forma.6

Para os resíduos não perigosos, a ênfase recai sobre a valorização, com a reciclagem e a compostagem como métodos tradicionais.7 Contudo, a baixa taxa de reciclagem no país (4%) aponta para a necessidade de tecnologias emergentes, como a reciclagem avançada (química) e as usinas de Geração de Energia a partir de Resíduos (Waste-to-Energy, WTE), que convertem plásticos difíceis de reciclar e rejeitos em novas matérias-primas e energia.8

O gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) é regido pela RDC nº 222/2018 da ANVISA, que obriga a segregação e tratamento de materiais infectantes e perfurocortantes, incluindo aqueles gerados em estúdios de tatuagem e clínicas de estética.11 Para esses resíduos, as tecnologias mais comuns são a autoclavagem e a incineração, cada uma com suas vantagens e desvantagens específicas.13 Por fim, o tratamento de efluentes líquidos é regulamentado pela Resolução CONAMA nº 430/2011, que exige o cumprimento de padrões rigorosos para lançamento em corpos d'água e impulsiona o uso de tecnologias como o tratamento físico-químico, biológico e os Processos Oxidativos Avançados (POAs) para efluentes complexos.15

 

1. Fundamentos da Gestão de Resíduos no Brasil: Base Legal e Classificação Normativa

 

 

1.1. O Papel Estruturante da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)

 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelecida pela Lei nº 12.305/10, constitui o pilar central da gestão ambiental e sanitária de resíduos no Brasil. Essa legislação moderna e abrangente introduziu instrumentos e conceitos fundamentais para lidar com os problemas ambientais, sociais e econômicos resultantes do manejo inadequado de resíduos.1 Um dos princípios mais importantes da PNRS é a hierarquia de tratamento de resíduos, que prioriza a não geração, a redução, a reutilização, a reciclagem, a valorização energética e, por último, a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.1 A lei também estabeleceu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, estendendo o dever de gerenciar resíduos a todos os atores da cadeia produtiva e de consumo, incluindo fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e os próprios cidadãos.1 A obrigatoriedade de elaboração de Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) para geradores privados e o estímulo à logística reversa são outros mecanismos essenciais introduzidos pela PNRS.1

Apesar do seu papel fundamental na organização e regulamentação do setor, a implementação da PNRS enfrenta desafios consideráveis. Por exemplo, embora a lei tenha incentivado a coleta seletiva, que cresceu para estar presente em 73% das cidades entre 2010 e 2019, o índice de reciclagem de resíduos sólidos no Brasil ainda é de apenas 4%.8 Esse índice é dramaticamente inferior à média de países com grau de desenvolvimento semelhante, como Chile e Argentina, que atingem cerca de 16%.8 A persistência dessa baixa taxa de reciclagem aponta para um descompasso entre o avanço legislativo e a capacidade de infraestrutura e a eficiência econômica do setor. Fatores como a competição de mercado com as matérias-primas virgens mais competitivas e os gargalos na produção e coleta seletiva são frequentemente citados como barreiras para a plena concretização dos objetivos da PNRS.20 A lei, portanto, cria a estrutura necessária, mas a materialização de seus objetivos depende de um ecossistema mais robusto de incentivos econômicos, investimento em infraestrutura e fiscalização eficiente.

 

1.2. Classificação de Resíduos Sólidos conforme a ABNT NBR 10004

 

A classificação de resíduos sólidos é a etapa preliminar e mais crítica para determinar a metodologia de tratamento e destinação. A norma técnica brasileira que orienta este processo é a ABNT NBR 10004.2 A classificação envolve a identificação da origem do resíduo, de seus constituintes e características, e a comparação com listagens de substâncias conhecidas por seu impacto à saúde e ao meio ambiente.2

A norma categoriza os resíduos em duas classes principais:

  • Classe I – Perigosos: São aqueles que, em razão de suas propriedades físico-químicas ou infectocontagiosas, apresentam um risco significativo à saúde pública e ao meio ambiente.2 As características que conferem periculosidade a um resíduo incluem inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade (potencial de causar doenças), carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade.7 Exemplos de resíduos perigosos incluem pilhas e baterias (devido a metais pesados), lâmpadas fluorescentes (mercúrio), resíduos hospitalares e agrotóxicos.7 A versão mais recente da norma, a ABNT NBR 10004:2024, introduziu um processo de classificação de quatro passos, que inclui a verificação de propriedades físico-químicas e a análise da toxicidade, além da avaliação da presença de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs).3

  • Classe II – Não Perigosos: São os resíduos que não se enquadram nas características de periculosidade da Classe I.22 Esta classe é subdividida em:

    • Classe II A – Não Inertes: São resíduos que podem se decompor, como lodo de tratamento de água, resíduos orgânicos ou resíduos combustíveis, podendo impactar o meio ambiente se descartados incorretamente.22

    • Classe II B – Inertes: São resíduos que não sofrem alterações físicas, químicas ou biológicas quando dispostos em aterros e não se decompõem.22 O entulho de construção, por exemplo, é considerado inerte e frequentemente reutilizado como agregado reciclado.23

A correta classificação dos resíduos é um requisito legal e técnico indispensável. Erros nesta etapa podem levar a sérios danos ambientais e à saúde, além de sujeitar as empresas a penalidades por crimes ambientais.24

A Tabela 1 oferece um resumo da classificação de resíduos, com base nas normativas vigentes, para auxiliar na compreensão desta etapa fundamental do gerenciamento.

Tabela 1: Resumo da Classificação de Resíduos pela ABNT NBR 10004

Classe Descrição Critérios de Periculosidade Exemplos
Classe I Perigosos Inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, mutagenicidade, carcinogenicidade e teratogenicidade

Pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes, resíduos hospitalares, óleos e lodos de separadores óleo/água 7

Classe II A Não Perigosos e Não Inertes Não se enquadra na Classe I. Pode ter propriedades como biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água Lodo de tratamento de esgoto, resíduos de alimentos, papel
Classe II B Não Perigosos e Inertes Não se enquadra nas Classes I e II A. Quando em contato com a água, não a contamina Entulhos de construção, alguns tipos de vidros e plásticos

 

2. Tratamentos e Destinação de Resíduos Sólidos e Semi-sólidos

 

 

2.1. Tratamento para Resíduos Perigosos (Classe I)

 

 

2.1.1. Tratamento Térmico: Incineração Controlada e Co-processamento

 

Para os resíduos perigosos, o tratamento térmico é uma das soluções mais eficazes e ambientalmente adequadas. A incineração é um processo de destruição térmica que oxida os resíduos a altas temperaturas, entre 900°C e 1250°C, com o objetivo de destruir ou reduzir seu volume.25 Este método é altamente valorizado por sua capacidade de reduzir o volume dos resíduos em até 90% e de neutralizar substâncias tóxicas, transformando-as em cinzas, gases e calor.25 No entanto, a incineração não é uma simples queima. Ela requer fornos especializados, com sistemas rigorosos de controle de emissões e filtros para evitar a liberação de gases tóxicos na atmosfera.26 As cinzas geradas pelo processo, que podem conter poluentes perigosos, necessitam de uma disposição final adequada, geralmente em aterros Classe I.14

Uma alternativa tecnológica superior à incineração tradicional é o co-processamento. Esta técnica consiste na destruição térmica de resíduos perigosos em fornos de cimento, onde o resíduo é utilizado como substituto de matéria-prima e/ou combustível fóssil.28 O co-processamento é considerado uma solução de economia circular, pois além de destruir completamente os resíduos, aproveita seu poder calorífico e seus minerais, gerando benefícios ambientais como a preservação de recursos naturais e a redução da emissão de gases de efeito estufa.5 Resíduos com alto poder calorífico, como solventes, pneus e resinas, são pré-tratados para formar

blends que servem de combustível para os fornos de clínquer, sem alterar a qualidade do cimento produzido.5 Esta solução demonstra uma transição da gestão de resíduos como um custo operacional para uma estratégia de valorização e geração de insumos.

 

2.1.2. Disposição Final em Aterros Industriais Classe I

 

Quando as tecnologias de tratamento e valorização não são viáveis, a disposição final de resíduos perigosos ocorre em aterros industriais Classe I.6 Estes aterros são infraestruturas complexas, projetadas com protocolos de segurança extremamente rigorosos para evitar a contaminação do solo, da água e do ar.6 A construção de um aterro Classe I envolve a disposição dos resíduos em valas, cuja base de impermeabilização é composta por múltiplas camadas de proteção, como argila compactada, geomembranas de polietileno de alta densidade (PEAD) de 2 mm, geotêxteis e sistemas de drenagem de chorume.6 Após o preenchimento, a vala é lacrada com camadas semelhantes e coberta com solo vegetal para paisagismo.6 A existência de sistemas de monitoramento contínuo, incluindo poços para controle do chorume, assegura a contenção dos poluentes.6 O aterro industrial Classe I, embora seja uma solução de contenção e não de valorização, é uma medida essencial na gestão de resíduos perigosos, mas a sua complexidade e custo reforçam a importância de se buscar alternativas de tratamento anteriores na hierarquia da PNRS.

 

2.2. Tratamento para Resíduos Não Perigosos (Classe II)

 

 

2.2.1. Tecnologias de Valorização: Reciclagem e Compostagem

 

Para os resíduos não perigosos, a prioridade da PNRS é a valorização, sendo a reciclagem e a compostagem as técnicas mais difundidas.1 A

reciclagem mecânica transforma materiais comuns, como papel, vidro e certos plásticos, em novos produtos.7 No entanto, a taxa de reciclagem no Brasil é um ponto de fragilidade, com apenas 4% do que poderia ser reciclado efetivamente sendo encaminhado para este processo.8 A

compostagem, por sua vez, é um método biológico para tratar resíduos orgânicos, transformando-os em composto que pode ser usado como fertilizante, uma prática que contribui para a redução do volume de resíduos enviados a aterros.

 

2.2.2. Tecnologias Emergentes: Reciclagem Avançada e Geração de Energia (WTE)

 

Diante das limitações da reciclagem mecânica e da dependência de aterros, tecnologias emergentes ganham destaque. A reciclagem avançada, ou reciclagem química, surge como um complemento à reciclagem mecânica, focando em plásticos que são difíceis de processar por métodos tradicionais.9 Tecnologias como a

pirólise utilizam o calor para decompor resíduos plásticos em nível molecular, convertendo-os em matérias-primas líquidas ou gasosas que podem ser refinadas para produzir novos produtos químicos e plásticos de alta qualidade.9 Empresas como a Braskem e a Pirólise Brasil já investem nessas tecnologias, visando a economia circular e a redução de resíduos.33

A Geração de Energia a partir de Resíduos (WTE) é outra tecnologia de valorização que converte resíduos sólidos, urbanos e industriais, em energia elétrica.26 O uso da biomassa, por exemplo, representa 8,55% da matriz energética brasileira, utilizando resíduos florestais, agropecuários e industriais para produzir energia.35 Projetos de incineração moderna, como a usina URE Barueri em São Paulo, são pioneiros na América Latina, processando cerca de 300.000 toneladas de resíduos por ano e gerando 20 MW de energia, uma alternativa que evita o aterramento e reduz as emissões de gases de efeito estufa em até 8 vezes em comparação com lixões.10

 

2.2.3. Disposição Final em Aterros Sanitários

 

A disposição final em aterros sanitários é o destino de resíduos não perigosos que não podem ser reciclados ou reutilizados.30 Diferentemente dos lixões a céu aberto, os aterros sanitários são infraestruturas controladas, projetadas para receber e tratar os resíduos de forma segura.38 Eles operam com a compactação dos resíduos em células, cobertas com camadas de solo e materiais impermeáveis para minimizar odores e prevenir a contaminação do solo e da água subterrânea.38 Os aterros também são equipados com sistemas de drenagem de chorume e de captação de biogás, que pode ser transformado em energia.38 No entanto, os aterros sanitários representam a última opção na hierarquia de resíduos e a sua saturação é um desafio crescente, o que reforça a necessidade de buscar tecnologias de valorização energética e material.

A Tabela 2 compara as principais tecnologias de tratamento térmico de resíduos sólidos.

Tabela 2: Comparativo de Tecnologias de Tratamento Térmico para Resíduos Sólidos

Tecnologia Aplicação Principal Redução de Volume Geração de Energia Subprodutos Perigosos Vantagens Desvantagens
Incineração Resíduos perigosos (Classe I) e resíduos de saúde (Grupo A, B, E) Até 90% Sim (calor para eletricidade) Cinzas volantes perigosas Destruição de patógenos, redução de volume Custo elevado, potencial de emissão de poluentes, cinzas perigosas
Co-processamento Resíduos perigosos com alto poder calorífico (Classe I) Total (incorporação na matriz do cimento) Sim (substituição de combustíveis fósseis) Nenhum (integrado no cimento) Recuperação de energia e minerais, substituição de combustíveis fósseis, eliminação completa de resíduos Requer resíduos com poder calorífico e composição específica, limitações para alguns resíduos
Pirólise Resíduos plásticos (Classe II A), pneus, biomassas Sim Sim (bio-óleo, gás combustível) Nenhum (ausência de oxigênio evita formação de dioxinas) Conversão de plásticos difíceis de reciclar em novas matérias-primas, conformidade legal, subprodutos valiosos Custo de investimento, escala e logística do processo podem ser um desafio

 

3. O Gerenciamento Específico de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS)

 

 

3.1. A Regulamentação da ANVISA (RDC nº 222/2018) e a Classificação dos RSS

 

O gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) é regulamentado pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 222/2018 da ANVISA.11 A norma define os RSS como aqueles gerados em atividades relacionadas à atenção à saúde humana ou animal, incluindo hospitais, laboratórios, necrotérios, drogarias e, de forma específica e importante para a consulta, serviços de acupuntura, piercing, tatuagem e salões de beleza e estética.11

A periculosidade dos RSS, mesmo representando apenas 1% a 3% do volume total de lixo urbano, exige um manejo diferenciado.11 A legislação determina a segregação, acondicionamento, identificação, armazenamento e transporte interno adequados, protegendo a saúde dos trabalhadores, da população e o meio ambiente.11 A correta separação na fonte é um ponto crucial; caso resíduos comuns entrem em contato com resíduos contaminados, todos passam a ser considerados infectados, aumentando os riscos e os custos de tratamento.24 A RDC 222/2018 obriga esses estabelecimentos a elaborar um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), um documento técnico que detalha as ações para minimizar a produção de resíduos e garantir seu encaminhamento seguro.24

 

3.2. Tratamentos para Resíduos Biológicos (Grupo A) e Perfurocortantes (Grupo E)

 

Os resíduos de maior periculosidade biológica (Grupo A) e os perfurocortantes (Grupo E), como agulhas, lâminas e bisturis, exigem tratamento prévio para desinfecção ou destruição antes da disposição final.12 As duas principais tecnologias de tratamento são a autoclavagem e a incineração.

 

3.2.1. Autoclavagem

 

A autoclavagem é um método de tratamento que utiliza altas temperaturas e pressão para eliminar microrganismos patogênicos.13 É uma tecnologia amplamente utilizada em hospitais e laboratórios, bem conhecida e com custos de investimento e operação relativamente baixos.14 Uma das principais vantagens é a aceitação pública, por não emitir poluentes atmosféricos como a incineração, e a capacidade de reduzir significativamente o volume do resíduo quando combinada com a trituração.14 Contudo, a eficácia do processo é sensível às condições de operação, e a autoclavagem não pode ser utilizada para tratar substâncias químicas, radioativas ou inflamáveis.14 O processo também pode gerar efluentes líquidos e odores desagradáveis que necessitam de tratamento posterior.14

 

3.2.2. Incineração para RSS

 

A incineração de RSS é o processo de queima controlada a altas temperaturas para destruir completamente os resíduos, incluindo patógenos, e reduzir seu volume de forma drástica.13 O método é eficaz para resíduos biológicos e perfurocortantes, podendo também tratar resíduos químicos e farmacêuticos (Grupo B) sob certas condições.41 As principais vantagens incluem a destruição completa e a redução de volume, além de não gerar odores durante o processo.14 No entanto, a incineração tem um custo de funcionamento mais elevado, exige manutenção constante e pode gerar cinzas que ainda necessitam de um manejo como resíduo perigoso.14 O potencial de emissão de poluentes atmosféricos, como dioxinas e furanos, é uma desvantagem significativa, embora as instalações modernas contem com avançados sistemas de tratamento de gases para mitigar esse risco.14

A decisão entre autoclavagem e incineração para RSS é uma questão de engenharia e gestão, que deve considerar o tipo de resíduo, o volume gerado e os custos-benefício de cada tecnologia.

Tabela 3: Comparativo entre Autoclavagem e Incineração para Resíduos de Saúde

Critério Autoclavagem Incineração
Custo

Custo de investimento e operação relativamente baixo 14

Custo de funcionamento mais alto 41

Eficácia

Eficiente na eliminação de patógenos. Sensível a condições de operação 14

Alta eficácia na destruição de patógenos. Também trata resíduos químicos e anátomo-patológicos 41

Redução de Volume

Significativa, especialmente se combinada com trituração 14

Alta redução de volume e massa. Torna o resíduo irreconhecível 14

Impacto Ambiental

Não emite poluentes atmosféricos, mas pode gerar efluentes líquidos e odores 14

Potencial de emissão de poluentes e cinzas perigosas, exigindo controle rigoroso 14

Aceitação Pública Geralmente bem aceita

Pode gerar oposição pública devido à percepção de risco 14

Resíduos Inadequados

Não pode tratar substâncias radioativas, citostáticas, explosivas e líquidos inflamáveis 14

Adequada para uma gama mais ampla de resíduos perigosos 41

 

4. Tratamento de Efluentes Líquidos Industriais

 

 

4.1. Panorama e Legislação: A Resolução CONAMA nº 430/2011

 

O tratamento de efluentes líquidos é um requisito legal no Brasil, com o objetivo de proteger a qualidade dos corpos d'água. A Resolução CONAMA nº 430/2011 estabelece as condições, padrões e diretrizes para o lançamento de efluentes de qualquer fonte poluidora, exceto esgotos sanitários, em corpos d'água.15 A norma exige que os efluentes sejam tratados antes de serem lançados e proíbe a diluição com águas de melhor qualidade para atingir os padrões requeridos.15 Os parâmetros de controle são rigorosos e incluem uma vasta lista de substâncias inorgânicas e orgânicas, como Arsênio (As), Cádmio (Cd), Mercúrio (Hg), Benzeno e Fenóis.15 O não cumprimento desses padrões pode resultar em multas e na recusa de licenciamento ambiental para as empresas.43

A Tabela 4 apresenta os principais parâmetros estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 430/2011 para o lançamento de efluentes.

Tabela 4: Condições e Padrões de Lançamento de Efluentes (CONAMA 430/2011)

Parâmetro Condições e Limites
pH

Entre 5 e 9 15

Temperatura

Inferior a 40°C, com variação máxima de 3°C no corpo receptor 15

Materiais Sedimentáveis

Até 1 mL/L em 1 hora 15

Óleos Minerais

Até 20 mg/L 15

Óleos Vegetais e Gorduras Animais

Até 50 mg/L 15

DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) Remoção mínima de 60%
Arsênio total (As) 0,5 mg/L
Cádmio total (Cd) 0,2 mg/L
Chumbo total (Pb) 0,5 mg/L
Mercúrio total (Hg) 0,01 mg/L
Fenóis totais (C6H5OH) 0,5 mg/L
Cromo hexavalente (Cr+6) 0,1 mg/L
Zinco total (Zn) 5,0 mg/L
Materiais Flutuantes

Ausência 15

 

4.2. Tecnologias de Tratamento Convencionais

 

As tecnologias de tratamento de efluentes são frequentemente combinadas em etapas para atingir os padrões exigidos.

 

4.2.1. Tratamento Físico-Químico

 

O tratamento físico-químico é um processo que combina etapas químicas e físicas para remover poluentes que não são degradados por métodos biológicos.44 O processo inclui a neutralização para o ajuste do pH, a precipitação química para separar metais pesados e fosfatos, e métodos de separação física, como filtração e decantação.44 Este método é especialmente útil para efluentes de indústrias que contêm compostos persistentes ou tóxicos.44

 

4.2.2. Tratamento Biológico

 

O tratamento biológico é o método mais comum e eficiente para efluentes com alta carga de matéria orgânica. O sistema de lodos ativados, por exemplo, utiliza microrganismos aeróbios que consomem a matéria orgânica presente no efluente em tanques de aeração.45 Este processo reduz significativamente a Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e a Demanda Química de Oxigênio (DQO), além de sólidos suspensos e nutrientes.45 O sistema é amplamente utilizado em indústrias de alimentos, bebidas, celulose e farmacêuticas.45 Uma implicação direta deste processo é a geração de lodo como subproduto, que precisa de tratamento subsequente para redução de volume e estabilização antes da disposição final.47

 

4.3. Processos Avançados de Oxidação (POAs) para Efluentes Complexos

 

Para efluentes industriais que contêm poluentes recalcitrantes e complexos, os Processos Oxidativos Avançados (POAs) são a fronteira da tecnologia de tratamento.16 Esses processos se baseiam na geração de radicais hidroxil (

OH), que possuem um alto poder oxidante e podem degradar eficientemente compostos que são difíceis de tratar com métodos convencionais.16 As tecnologias incluem a ozonização, a fotocatálise e o Processo FENTON, que utilizam peróxido de hidrogênio e ferro para gerar os radicais livres.48 Os POAs são aplicáveis a uma ampla gama de efluentes industriais, como os de indústrias químicas e farmacêuticas, transformando contaminantes perigosos em substâncias menos nocivas e atendendo a padrões ambientais rigorosos.49

 

5. Desafios e Oportunidades no Cenário Brasileiro de Resíduos

 

O panorama brasileiro de gestão de resíduos revela uma dicotomia entre um arcabouço legal avançado (PNRS, NBR 10004) e a realidade operacional, marcada por uma baixa taxa de reciclagem e uma dependência contínua de aterros sanitários.8 A estagnação na reciclagem mecânica, evidenciada pela queda em 2023 20, destaca a vulnerabilidade do setor a fatores econômicos, como o preço do plástico virgem. Historicamente, a incineração, vista como uma alternativa, enfrentou resistência devido a modelos ultrapassados e poluentes do passado.50

No entanto, esses desafios criam uma janela de oportunidade para a transição do Brasil de um modelo linear de resíduos para uma economia circular. A adoção de tecnologias de tratamento avançadas e de valorização material e energética, como a reciclagem química e as usinas de WTE, permite que o país não apenas resolva problemas ambientais, mas também crie valor econômico a partir de um passivo.5 Projetos como a usina URE Barueri 10 e as iniciativas de reciclagem avançada da Braskem 31 demonstram que a tecnologia de ponta já está disponível e em processo de implementação. A superação da desinformação sobre as modernas usinas WTE, que operam com rigorosos controles de emissão 26, é crucial para a aceitação pública e o avanço dessas soluções. A transformação de resíduos em energia e novas matérias-primas fortalece a economia, reduz a dependência de recursos naturais e combate as mudanças climáticas de forma eficaz.5

 

6. Conclusões e Recomendações Estratégicas

 

A gestão de resíduos no Brasil, em conformidade com as normas vigentes, exige uma abordagem multifacetada e estratégica que vai além da simples disposição. A classificação correta, a escolha da tecnologia de tratamento adequada e a rastreabilidade são elementos críticos para assegurar a conformidade, otimizar custos e mitigar riscos ambientais.

Com base na análise das tecnologias e regulamentações atuais, as seguintes práticas e recomendações são propostas:

  • Para Resíduos Industriais Perigosos (Classe I): A prioridade deve ser o tratamento térmico, como o co-processamento em fornos de cimento, que oferece a destruição completa do resíduo com o benefício adicional da recuperação de energia e minerais. A incineração controlada é uma alternativa robusta para resíduos que não podem ser co-processados. A disposição em aterros industriais Classe I deve ser considerada como a última opção na hierarquia de tratamento, dada a sua função de contenção a longo prazo.

  • Para Resíduos Não Perigosos (Classe II): Embora a reciclagem mecânica continue sendo uma meta importante, é essencial investir e explorar o potencial da reciclagem avançada para plásticos complexos, fechando a lacuna de materiais que atualmente não são valorizados. As tecnologias de Geração de Energia a partir de Resíduos (WTE) oferecem uma solução escalável para o volume de rejeitos que sobrevivem a todas as etapas de valorização, reduzindo a dependência de aterros sanitários e gerando energia limpa.

  • Para Resíduos de Serviços de Saúde (RSS): A segregação na fonte é a prática mais importante para o gerenciamento de RSS, conforme exigido pela RDC nº 222/2018. A escolha entre autoclavagem e incineração para resíduos biológicos e perfurocortantes deve ser realizada após uma análise rigorosa, considerando o perfil dos resíduos, a eficácia do método, os custos operacionais e a percepção da comunidade local.

  • Para Efluentes Líquidos Industriais: O atendimento aos padrões da Resolução CONAMA nº 430/2011 é imperativo. O uso de sistemas de tratamento convencionais (físico-químico e biológico) é a base para a maioria dos efluentes. Contudo, para poluentes recalcitrantes, a integração de Processos Oxidativos Avançados (POAs) é a solução tecnológica para garantir o cumprimento dos padrões mais rigorosos.

A elaboração de um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) atualizado, alinhado com a nova ABNT NBR 10004:2024, e o uso de ferramentas de rastreabilidade como o Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR) 51 são medidas essenciais para garantir a conformidade regulatória e a gestão ambientalmente responsável dos resíduos, transformando os desafios atuais em oportunidades de inovação e sustentabilidade.